VONTADES






Numa noite com o céu forrado por véus de poucas nuvens e se atrevendo exibir-se estrelado, aquecíamos por meio de um fogo tímido da pequena fogueira. Conversávamos assuntos diversos, nada cadenciados. Na ocasião era eu, a vida e a companhia.

E quando tudo indicava não haver prosa outra em novidade, a vida fez-me lembrar dum acontecimento no qual eu me projetei.

Antes que eu decorra ao relato, é necessário abrir parênteses e nele, destacar que fomos laureados pelas circunstâncias naturais da noite descrita acima. Á ela- bela noite- fizemos sarau. Enfim, fechado parênteses, quanto ao acontecido, nos instantes que eu o recordava, pareceu-me possível poder tocá-lo. Tamanha havia sido a dopamina liberada, percorrendo milímetros no meu robusto e velho corpo, que me ocasionou extraordinárias sensações.

Sem desejar um grama de modéstia, confirmo as minhas sensações, até mesmo, superiores as de alguma pessoa que sobrepuja as condições adversas e extremas, á alcançar o cimo do Everest. E por emprego de gerúndio, transcursando nessas linhas, tais me servem á este franco imaginário. Em razão disto, devo usar franqueza necessária?

- Sim! - Exclamou com monossílabo, a companhia.

Contrapus nova pergunta:

- É exigência obrigatória?

Ao que ela, sem tremeluzir, me replicou:

- Mais que isso. É dever!

Então, convém o monte acima citado, ser considerado como ilustração de exemplo. No entanto, de antemão, apregoo para não serem observadas as sensações, quais experimentei, por lentes caricatas. Afinal, foram intensas, como descargas elétricas ocasionadas no choque entre nuvens pesadas e escuras, encarregadas de banhar a terra e riscar o céu com disformes raios de luz e fogo.

E como nada havia da Cordilheira do Himalaia, onde situa o Everest, o que então se fez ser – Indagou nessa breve linha, a curiosidade alheia.

De forma curta e precisa, a minha voz trouxe em resposta:

- Um descampado rural

(O Presente)

Sim! Todavia, foram recordações de quando os meus pés pisaram o chão rural. Eu e a companhia, atendendo ao convite feito pela a vida. E, decorrente disto, as minhas sensações experimentadas ao abrir a caixa entregue pela vida. Caixa de cor única, de tonalidade escura. Não havia nada que desprendesse atenção, senão, provocar certo grau de medo. Havia também o enfeite feito com um laço de fita da mesma cor preta. Tal adorno e tonalidade única de cor em nada ajudavam para que fosse ela algo desejável ou ganhar qualquer concurso, no quesito estético agradável. Tão pequena caixa que pouco preencheu a palma da minha mão. Foi-me entregue como um presente!

Ao abri-la, estonteei, boquiaberto, imóvel e por tempo impreciso, vislumbrado com o brilho emitido de o seu interior. O fulgor irradiado era: Vontades!

Casou-se com alguma delas- indagou-me a vida.

- Sim! E por extensão necessária, com todas elas- Ao que eu respondi.

Prossegui dizendo:

- Os meus olhos viram-nas chamando-me á tê-las, e, se/me envolver nelas de modo fecundo, sem obrigatoriedade de licença poética, para delas, me embrionar. E como não amá-las? Se, se porventura fosse o meu coração de pedra, eu não seria atraído em dispostos para amá-las. Ao que me dei à todas elas, sem qualquer paradigma! Talvez, em mim, fosse a força interativa da última fagulha que ainda aquecia-me de juízo. Então, decidi esposar com todas elas- lindas e translucidas vontades- para o benefício de mim mesmo. De prontidão a demanda de precisões, a coragem minha acatou cada qual delas, como que por sufrágio universal-Concluí.

- E qual é o voto primeiro neste casamento- inquiriu-me a vida.

- Conhecer-me- exclamei lacônico, essa segunda vez.

Ao término da resposta, a vida sequenciou outra pergunta.

- E o segundo voto, que juraste por fidelidade?

Ao que eu disse:

- Este é de natureza extrínseca, todavia, está condicionado no que propus fazer no primeiro- Disse assim, ancorando meus olhos no belo cais dos claros olhos dela.
Prossegui dizendo:

- Das vontades, também esposei a liberdade. Á Ela, o meu voto segundo de somente tê-la, sem o sucumbir na leviandade de não a percebê-la. Que não seja pelas minhas mãos a ação de negligencia preenchendo o balaio dos insensatos. Que não me tome pra si às insensibilidades, sendo disto, a tinta na ponta da pena, sentenciando-me a fracassos e rupturas dos votos juramentados- Finalizei.

Ouvindo-me atentamente, com a paciência de um credor que meneia a cabeça com o afirmativo ou a negativa, a vida estendeu-me a sua fina e lisa mão. Subtendendo eu que ela fosse apenas me cumprimentar, quando ainda dávamos suavemente um aperto de mãos, então, ela introjetou no fundo dos meus olhos, o seu olhar peculiar e desafiador, como que intimado para eu poder considerar um pouco mais. Nisso, receei ao pensar que eu não havia finalizado, de forma adequada, a resposta sobre voto segundo.

A minha suspeita foi confirmada quando por três vezes seguidas, a vida verbalizou a vogal e, tendo a reticência a frente. De imediato eu pude compreender o porquê no compenetrante olhar que ela me lançou: Havia algo mais para ser dito. Logo, de mim ela ouviu, silenciosa, que a primazia é o conhecer-me. Para isto e, não menos importante, a liberdade é trompa que me capacita gerar vivências leves e livres dos pesos dos meus erros cometidos- Ao que concluí.

(Inimigo)

Sobremodo impactado, eu fui eletrocutado por vontades. Sim! Por belas, perfeitas e agradáveis vontades. Contudo, mesmo que as minhas recordações não tenham sido privilegiadas com as exuberâncias naturais do Everest e que os ocorridos foram em meio ao excêntrico solo de aspecto geológico, genuinamente rural, ainda assim, promoveram, norteando-me, valores intrínsecos consideráveis. Naquele campestre horizonte finito, eu superei as minhas condições extremas e adversas!

Éramos eu, a vida e a companhia. Posto isto, ao tempo, cada um de nós disse coisas de si mesmos. Singularidades jamais segredadas entre nós. De acontecimentos que nos afligiam no presente e dúvidas sobre o que nos virá de um não distante futuro. De anseios realizados. Das cóleras desfeitas. De bem afável e de mal, retribuídos.

Tudo isso e coisas outras que foram ditas, naquele dia em que o esperado era ver a monotonia do entardecer, fazer cessar mais um dia entre tantos outros comuns, permeado de chatices, com tédios e de aborrecimentos involuntários. Pra mim, o desejável era que o crepúsculo fizesse de forma mais rápida, a produção natural no processo biológico da minha melatonina. E o dormir na nova noite fosse, então, um sono duradouro e agradável.

E dos ocorridos no dia qual a vida fez-me recordar, foram-me conhecimentos sobre mim mesmo, quais me deram substancial força para incidir na quebra-de-contrato com os inomináveis absurdos do que havia sido o meu eu.

Sobre isso, digo:

- Aquele eu- Sem nada ser o eu que sou agora e, nada vendo como homem que hoje vejo-, esse hoje eu conhecido, asfixiou o desconhecido eu de outrora, sepultando-o na profunda vala dos insurretos, sem à ele derramar única lágrima ou oferecê-lo direito de velório.
Enfim... Daquele dia em diante, houve rupturas comigo mesmo.

E, isso- o eu de agora- tornou-se possível ao se apropriar da decisão irrevogável de superar todos os sentimentos que me aprisionavam em medos. Incitado por meio de fé diáfana- nada religiosa- Fez-me oponente que sou hoje, contra cada um deles. Além, tal fé possibilitou-me conhecê-los, para colocá-los minimizados como meros espectros da covardia: Crias do eu desconhecido.

Desfiz altares onde diariamente, o eu desconhecido venerava totens da ignorância. Queimei o feno da insensatez e lancei fora dos coxos, o ceticismo que alimentava as minhas inércias. Lancei a luz na sombra que servia repouso ao meu ócio. Retirei toda a grama que forrava conforto ao inútil do eu desconhecido. Acatei, validando necessário, disposições em dizer não, à complacência ao que era comum o sim. Foi a óbito o velho eu, qual, fazia-me desconhecido por mim mesmo. E Tudo isto, quando optei silenciar as vozes de dúvidas, quais, antes, furtavam-me anseios por reações.

Desde o dia em que eu casei com as vontades, as superações têm sido significativas, vista permanente e expandidas à outros horizontes. Tendo eu aquele solo rural por testemunha, confirmo aniquilar receios do desconhecido. Naquele dia, conheci-me!

Ouvi a vida e a coragem era a companhia.

Assim, sobrepujei o meu pior e mais severo inimigo: Eu, de mim, desconhecido!

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